ARTIGO – PIBID USP / LETRAS – “A minha vida pode virar história: o dia a dia dos alunos é matéria de escrita.”

O objetivo deste trabalho é relatar o processo de implementação do projeto de ensino do PIBID – Letras (Universidade de São Paulo – USP) na E. E. João Baptista Alves Silva. Nesse projeto buscamos levar a escrita de forma lúdica e dinâmica ao cotidiano dos alunos por meio de temas, como noções de tempo e espaço na estrutura narrativa, construção de personagem, classes de palavras, e por meio de atividades, como as de formação de círculos de leitores e de reescrita. Ao trabalhar com a escrita de narrativas curtas e pessoais, buscamos sensibilizar os alunos para o registro de suas próprias histórias, percebendo que o seu cotidiano pode ser e é matéria de escrita.

 

Universidade de São Paulo

Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo

Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID)

A minha vida pode virar história: o dia a dia dos alunos é matéria de escrita.

 

Beatriz Negreiros Gemignani

Débora Roncon

Giulia Galizoni Caversan

Odete Cristina

Viviane Silvestri M. Oliveira

 

 Resumo: O objetivo deste trabalho é relatar o processo de implementação do projeto de ensino do PIBID – Letras (Universidade de São Paulo – USP) na E. E. João Baptista Alves Silva. Nesse projeto buscamos levar a escrita de forma lúdica e dinâmica ao cotidiano dos alunos por meio de temas, como noções de tempo e espaço na estrutura narrativa, construção de personagem, classes de palavras, e por meio de atividades, como as de formação de círculos de leitores e de reescrita. Ao trabalhar com a escrita de narrativas curtas e pessoais, buscamos sensibilizar os alunos para o registro de suas próprias histórias, percebendo que o seu cotidiano pode ser e é matéria de escrita.

Palavras chave: narrativa, cotidiano, dinâmica.

 

 

  1. Introdução

Os problemas e limitações relacionados à produção escrita dos alunos do ensino básico estão muitas vezes ligados ao desinteresse em escrever sobre assuntos distanciados de sua realidade, de forma a desmotivar os alunos a se expressarem por meio da escrita a respeito dos temas em geral impostos na sala de aula. Tendo como objetivo trabalhar a produção escrita dos alunos, deve-se propor, num primeiro momento, atividades que incentivem a escrita, para que esse contato bem sucedido possa levar a um futuro envolvimento do aluno com o ato de escrever. Nesse sentido, cabe ao professor levar em consideração que os alunos possuem suas próprias histórias para contar, e por meio das quais a escrita pode e deve ser trabalhada.

Conforme relata Calkins (1989, p.18), no contexto de envolvimento pessoal com a escrita, o professor pode ajudar os alunos a “descobrir que suas vidas valem a pena ser passadas para o papel”. Além do tópico, a autora ressalta a importância de dar às crianças “a posse e a responsabilidade por aquilo que escreveram. Isto transforma a escrita, de uma tarefa designada em um projeto pessoal.” (p.19) Será no momento em que a escrita for vista pelos próprios alunos como um projeto pessoal que o envolvimento com o ato de escrever estará consolidado, tornando-se desnecessária a motivação.

Dessa forma, a proposta da oficina de escrita vem aliada à habilidade comunicativa que valorize o cotidiano dos alunos e suas experiências pessoais, transformadas em conteúdo de sala de aula. Para esse processo de escrita, faz-se necessário que, antes, as crianças sejam ouvidas, e que disto, acrescenta Calkins (idem, p.23), sejam tiradas lições – os alunos devem aprender não somente com o professor, mas também com seus colegas.

 

  1. Relato de implementação

O projeto desenvolvido na E. E. João Baptista Alves Silva através do PIBID USP, subprojeto de Língua Portuguesa, partiu de uma inquietação a respeito da escrita das duas turmas do 7º ano, que surgiu ao ouvirmos as observações feitas pela professora-supervisora sobre as salas com as quais trabalharíamos. Assim decidimos tomar como tema de nosso projeto a narrativa. Avaliando a duração do projeto e tempo em sala de aula, decidimos abordar o cotidiano dos alunos como matéria de escrita. Além disso, tivemos a intenção de dar importância ao dia a dia dos alunos, mostrando-lhes que suas histórias podem e devem ser contadas a fim de trabalhar a autoestima e a valorização de seus discursos.

Partimos de nos colocar o desafio de contribuir para estimular os alunos a escrever, como coloca Philippe Meirieu em seu livro “Aprender… sim, mas como?”:

 

“Se o papel do professor é fazer com que nasça o desejo de aprender, sua tarefa é ‘criar o enigma’ ou, mais exatamente, fazer do saber um enigma: comentá-lo ou mostrá-lo suficientemente para que se entreveja seu interesse e sua riqueza, mas calar-se a tempo para suscitar a vontade de desvendá-lo” (MEIRIEU, 1998, p. 92).

 

Assim, organizamos um cronograma com 12 encontros ao longo do primeiro semestre de 2015, nos quais trabalhamos em minioficinas de escrita com textos breves em extensão e pouco dirigidos – sem muitas restrições por parte dos bolsistas e da professora – com uma temática comum: o cotidiano dos alunos.

Como tivemos pouco contato com os alunos antes de iniciar o projeto propriamente dito, decidimos como objetivo para a primeira atividade a aproximação entre nós e as duas turmas. Portanto, o primeiro encontro consistiu em reuni-los em roda para que cada um deles se apresentasse. Foram realizadas três rodadas – a terceira foi sugerida por um dos alunos. Na primeira rodada, cada aluno se apresentou dizendo seu nome, idade e algo que gostava de fazer. Na segunda, eles pensaram em uma única palavra que os definisse e, na terceira, todos falaram sobre o que queriam fazer quando crescessem. A atividade trouxe uma resposta positiva por parte dos alunos e nos auxiliou na criação de laços com eles.

Iniciamos, no encontro posterior, as minioficinas. A primeira minioficina foi inspirada em uma atividade do livro Ensino de Língua Portuguesa, de Riolfi (2010), na qual trabalhamos os elementos da narrativa de forma lúdica para que, nas próximas atividades, os alunos estivessem familiarizados com a estrutura deste gênero. Cada aluno tinha sobre a mesa uma folha de papel em branco e uma caneta. Demos alguns comandos, de modo que os alunos escrevessem na folha e, depois, a dobrassem de modo a esconder o que tinham escrito e passá-la para trás. Cada um deles recebeu uma folha sem saber o que havia sido escrito anteriormente e demos outro comando para que eles escrevessem. Primeiro, pedimos aos alunos que colocassem uma data (dia, mês e ano), por exemplo, “no dia 13 de abril de 2015”, dobrassem a folha e passassem para trás; depois, que escrevessem: “encontrei com o ______”, terminando a frase com o nome de um homem famoso e repetindo o procedimento; o terceiro comando consistiu em escrever um lugar qualquer; em seguida, escreveram: “Ele me disse: ____”, preenchendo a frase; depois, “Eu respondi: _____”, terminando a frase; finalmente, escreveram: “Depois disso, ____”, dando um desfecho para a narrativa. No final da aula, pedimos aos alunos que quisessem para ler a história que chegou a suas mãos.

Na segunda minioficina os alunos narraram um passeio que fizeram, utilizando-se dos elementos da narrativa apreendidos no encontro anterior. Antes de iniciar a atividade, fizemos uma revisão para ajudá-los a recordar. O número máximo de linhas era livre, mas delimitamos o mínimo para 10 linhas, pois muitos alunos escreviam pouquíssimas linhas. Sempre após o momento da escrita, dávamos espaço para que aqueles que quisessem ler seus textos para a turma pudessem fazê-lo a fim também de incentivar a circulação dos textos entre os próprios alunos.

 

 

Transcrição:

História reescrita

     Em um belo dia, minha mãe estava cozinhando e meu pai sorridente nos convidou para ir ao circo.

     Chegando lá, um palhaço nos recebeu eu pedi dinheiro para o meu pai e fui direto comprar pipoca e muitos doces.

A primeira apresentação foi de um palhaço que não sorria, eu disse:

Por que você não está sorrindo?

Ele disse:

É o meu papel.

Eu não gostei do circo, e fui embora, comi a comida que minha mãe estava fazendo e dormi.

 

A terceira minioficina consistiu na realização de uma narrativa individual, construída a partir de três palavras sorteadas (um substantivo, um adjetivo e um verbo) por fileiras. Portanto, um aluno de cada fileira vinha até nós e sorteava três palavras. Cada uma das duas turmas possuía seis fileiras. Foram sorteadas as seguintes palavras por turma:

 

7º A

Fileira 1 2 3 4 5 6
Verbo Morder Sorrir Passear Mexer Crescer Ganhar
Substantivo Parque Celular Boi Bola Praia Barata
Adjetivo Novo (a) Engraçado (a) Empolgante Bonita Velho (a) Bom

 

 

7º B

Fileira 1 2 3 4 5 6
Verbo Sorrir Quebrar Cozinhar Comprar Cantar Mexer
Substantivo Natal Professora Circo Show Parque Brilho
Adjetivo Empolgante Bom Sorridente Alegre Engraçado (a) Novo (a)

 

Nos últimos 20 minutos da aula, convidamos os alunos a lerem as suas narrativas para os colegas. Houve bastante participação nesse momento.

Na quarta e última minioficina tentamos trabalhar tanto a prática da escrita como a criação de um público leitor. Os alunos escreveram uma narrativa sobre o mico mais engraçado da vida deles sem colocar seus nomes no texto. Assim, a turma tentaria adivinhar quem havia cometido tal mico. Foram usados cerca de 30 minutos da aula para a parte da escrita. Nos últimos 20 minutos, recolhemos todas as narrativas e começamos a sorteá-las para ler. Uma de nós lia uma narrativa e os alunos tentavam adivinhar a quem ela pertencia. Houve muita

Nota-se que em cada minioficina usamos algo para disparar a escrita dos alunos, porém os deixamos livres de forma a permitir a criação de textos

Terminadas as minioficinas, começamos a desenvolver a segunda parte do projeto. Primeiramente, os alunos organizaram as suas escritas em um portfólio. Além disso, tivemos um encontro no qual os alunos confeccionaram a capa de seus portfólios.

Corrigimos todos os textos dos alunos, tentando não alterar seus estilos. Foi um momento em que sentimos dificuldades em encontrar o limite da nossa interferência no texto de cada aluno. Após a correção, tivemos um encontro no qual devolvemos todos os textos e pedimos que os alunos fizessem a seleção de um deles e o reescrevesse. A reescrita foi corrigida novamente e, depois, digitada pelos próprios alunos para compor o livro de narrativas de cada uma das

Porém, apenas iniciamos o momento da digitação houve problemas técnicos na escola e, por isso, grande parte desse trabalho foi feito por nós, assim como a compilação do livro. A organização do livro e o título, todavia, foram decididos democraticamente por cada uma das turmas em um de nossos encontros. No último encontro foi feita a entrega dos livros em CDs para os alunos.

Ao longo do desenvolvimento do projeto, notamos algumas práticas que nos inquietaram. A Escola Estadual João Baptista Alves Silva possui um belo prédio, com uma estrutura bastante rica. Ao entrar, deparamo-nos com paredes pintadas de lilás, quadros coloridos pendurados e diversas exposições de atividades feitas pelos alunos. A escola é exemplar também em questão de limpeza, e é muito bem equipada, com televisões em todas as salas de aula, laboratório de informática, videogames e mesas de pebolim. Tudo isso cria um ambiente extremamente confortável e acolhedor. Esse ambiente, no entanto, não se reflete nas relações ali vividas. Nos corredores e mesmo dentro das salas de aula, o barulho é ensurdecedor, fazendo com que as aulas se tornem uma batalha de voz entre professor e alunos, e que aquele tenha que, muitas vezes, recorrer a gritos e ameaças para se fazer ouvir. Além disso, notamos, ao realizar as atividades com os alunos, que o primeiro impulso que eles têm ao se deparar com um texto escrito é o da cópia, e, portanto, é essa a relação que eles criaram, ao longo do percurso escolar, com a cultura escrita. Sendo assim, procuramos conduzir o projeto de modo a tentar mudar essas práticas.

No item a seguir, analisaremos algumas produções textuais dos alunos, buscando observar quais foram os reflexos das nossas intervenções no modo como eles escrevem.


  1. Análise de textos dos alunos

Selecionamos para análise quatro textos produzidos pelos alunos durante uma das minioficinas de escrita, cuja proposta era que narrassem um passeio que fizeram. O critério de escolha seguiu o objetivo da análise: a estrutura textual nos textos escritos pelos alunos de forma pouco dirigida. Escolhemos textos que apresentam diferentes estruturas, apesar de seguirem a mesma temática, conforme será observado a seguir.

 

Corpus:

 

Texto 1: Play Center

          Bom, o Play Center foi muito legal e foi no dia 10 de setembro de 2012. No Play Center, eu fui junto com a minha família e foi muito daora. Queria ir em todos os brinquedos, só que na hora, eu fiquei com medo e fui no barco vicking com os meus primos e depois, fui comer.

          Depois, fomos em todos os brinquedos, só não fui na montanha russa porque eu tinha medo também, eu tinha 10 anos. Depois, fomos a um restaurante de lá e comemos hambúrguer. Depois disso, começou a chover.

 

 

Texto 2: O melhor passeio do mundo

          Foi quando eu fui para a praia com meu tio e meu primo. Quando chegamos lá, já era de noite e eu e meu primo ficamos jogando vídeo game até tarde.

          Quando acordamos, fomos à praia, tinha uns meninos jogando vôlei e eu e meu primo fomos jogar. Depois, voltamos para o hotel e no outro dia, voltamos à praia.

 

 

Texto 3: O melhor passeio da minha vida

          Um dia de manhã tinha uma grande família linda e bela, eles estavam saindo para viajar, eles estavam indo para o Paraná de carro.

          Foi uma experiência e tanto, dentro do carro tinha uma menina que estava dormindo e o nome dela é Hellyn, seu irmão chamado Wendel estava toda hora tentando acordar sua irmã.

          Até que a avó falou:

          – Wendel, para de acordar a sua irmã e deixa ela dormir.

          Quando nós chegamos, nós ficamos felizes, eles também. No segundo dia, todos foram pescar. Quando voltamos fomos conhecer a fábrica de sorvetes e compramos mais de 50 sorvetes. Fomos visitar o nosso bisavô, ele tem 99 anos. Quando nós chegamos em casa, jogamos futebol e depois nadamos.

          E esse foi o passeio mais lindo de toda a minha vida.

 

 

Texto 4: Em um dia melhor

          Em um belo domingo, fomos eu e minha mãe no “Parque da Juventude”. Chegamos lá, nós andamos de bicicleta, comemos pipoca e depois fomos no restaurante e comemos uma lasanha com arroz e depois uma picanha com arroz e feijão. Depois, minha mãe parou o carro e comprou um potão de sorvete de morango com creme e depois, fomos para a casa da minha avó e de lá, para a minha casa. Quando cheguei, minha mãe disse:

          – Amanhã, eu entro de férias.

          E eu falei:

          – Então, vamos mais vezes de sábado e domingo.

          E ela falou:

          – Sim!

 

 

  1. 1. Elementos da narrativa

Conforme os elementos da narrativa que havíamos passado aos alunos de forma lúdica na primeira minioficina – tempo, espaço, personagem, diálogo, conflito (“o que aconteceu?”) e final –, verificamos que nos quatro textos selecionados os alunos se preocuparam em situar o tempo e o espaço de suas histórias, além de apresentarem os personagens. Ainda assim, o tempo da história intitulada “O melhor passeio do mundo” é pouco explícito, dado como o momento desse melhor passeio realizado, em que a primeira frase é uma continuação do título da narrativa; em seguida, há uma sequência de dia e noite na história. Em contraposição, o tempo é precisamente delimitado na história “Play Center”: dia 10 de setembro de 2012.

Quanto ao uso de diálogo, somente duas alunas exploraram esse artifício e de formas diferentes. Na história “Em um dia melhor” o diálogo entre a protagonista e sua mãe é narrado em forma de discurso direto com as falas das duas personagens, enquanto em “O melhor passeio da minha vida” o diálogo entre Wendel e sua avó apresenta somente a fala da avó, de modo que a resposta de Wendel à advertência de sua avó é subentendida pela narrativa.

A instauração de um conflito na narrativa foi realizada no texto 1, no qual o protagonista não teve coragem de ir em todos os brinquedos como desejava, e no texto 3, em que Hellyn estava sendo importunada pelo irmão. Já no texto 2, há somente a descrição das atividades realizadas, sem a instauração de um conflito, de modo que o texto faz uso da estratégia de descrição de cena em sua totalidade, o que também ocorre com os textos 1 e 4. Na história “Em um dia melhor” pode-se considerar que a interpolação da mãe ao final da narrativa consiste de certa forma em um conflito, na medida em que o início das férias da mãe poderia significar o fim das agradáveis atividades realizadas, mas que foi logo resolvido com o desfecho da história.

Por fim, o elemento do desfecho está explicitamente colocado somente em no texto 3, cuja frase final resume o propósito da narrativa. Já no texto 4, o desfecho é dado pela promessa em se repetir mais vezes o passeio realizado. Quanto ao texto 1, o desfecho é pouco explícito, pois não se sabe se o passeio de fato terminou e quais foram as sensações do protagonista ou quais seriam as expectativas: há somente o corte imposto pela chuva. Já no texto 2 não há desfecho, restando o suspense da sequência narrativa.

 

 

  1. 2. Caráter descritivo dos textos

À exceção do texto 3, os textos apresentam baixo grau de narratividade e demonstram que os autores fizeram uso constante da estratégia de descrição de cena, e pouco se atentaram em narrar acontecimentos, diálogos e conflitos para as histórias. No texto 4, nota-se uma descrição que lembra uma lista de informações pouco importantes para o desencadear da história (no caso, os alimentos consumidos pelas personagens), encadeada pelo marcador de progressão temporal ‘depois’:

 

Chegamos lá, nós andamos de bicicleta, comemos pipoca e depois fomos no restaurante e comemos uma lasanha com arroz e depois uma picanha com arroz e feijão. Depois, minha mãe parou o carro e comprou um potão de sorvete de morango com creme e depois, fomos para a casa da minha avó e de lá, para a minha casa.

 

Algo parecido acontece no texto 1, em que o autor encadeia os acontecimentos também repetindo o termo “depois”. Aqui nota-se uma maior profundidade na descrição, por exemplo, do sentimento do personagem na ocasião (medo), embora, como nos outros, a descrição seja predominantemente de fatos banais (a alimentação, o tempo), de caráter extremamente sintético, sem que se possa perceber uma possível importância do conhecimento do leitor sobre esses elementos.

O texto 3, por sua vez, extrapola o caráter descritivo e possui alguns elementos da narrativa: é estipulado um tempo, um espaço e uma situação inicial; os personagens são nomeados, e há discurso direto. Nota-se, também, que a autora comete um desvio, pois começa a história em terceira pessoa (“uma grande família”, “uma menina que estava dormindo”) e, de repente, passa a usar a primeira pessoa do plural (“Quando nós chegamos”).

 

 

  1. 3. Uso da repetição

Tendo em vista o estudo de Lúcia Kopschitz Bastos na obra Coesão e Coerência nas Narrativas Escolares, analisaremos agora o fenômeno repetições de recursos linguísticos nos textos. É comum vermos repetições nos textos orais e o nosso envolvimento com este tipo de estrutura começa desde muito cedo. Podemos afirmar sem hesitar que é o nosso primeiro contato com os textos, pois ainda não sabemos decodificar os signos que farão mais tarde parte de nossas vidas.

Dentro do círculo familiar, primeira socialização, basicamente temos muitos envolvimentos com este tipo de texto. Porém quando a criança entra para a trajetória escolar, segunda socialização, serão apresentadas outras formas de comunicação. O domínio, o uso e o desenvolvimento de símbolos escritos serão vitais para essa nova fase de suas vidas.

Quando o aluno já se familiarizou com os símbolos, ele é convidado a representar suas ideias utilizando a escrita. E é aqui que se encontram os nossos alunos. E por tais circunstâncias percebemos que a repetição de palavras – recurso muito utilizado no texto oral – está presente na maioria dos textos produzidos.

Em sua obra Bastos cita Fillol e Mouchon que comentam sobre o fenômeno da recorrência sendo um símbolo característico da importância de um elemento dentro da estrutura da produção. Porém, ela cita também Charolles, o qual mostra que a língua dispõe de recursos numerosos e variados: pronominalizações, definitizações, referências contextuais, substituições lexicais, recuperações de pressupostos, retomada de inferências e etc.

Verificamos a seguir mais atentamente que nossos alunos não utilizam a variedade de recursos, conforme os trechos:

 

 

Texto 1:

“Depois, fomos em todos os brinquedos, só não fui na montanha russa porque eu tinha medo também, eu tinha 10 anos. Depois, fomos a um restaurante de lá e comemos hambúrguer. Depois disso, começou a chover.”

 

 

Texto 2:

Foi quando eu fui para a praia com meu tio e meu primo. Quando chegamos lá, já era de noite e eu e meu primo ficamos jogando vídeo game até tarde.”

Quando acordamos, fomos à praia, tinha uns meninos jogando vôlei e eu e meu primo fomos jogar. Depois, voltamos para o hotel e no outro dia, voltamos à praia.

 

 

Texto 3:

Quando nós chegamos, nós ficamos felizes, eles também. No segundo dia, todos foram pescar. Quando voltamos fomos conhecer a fábrica de sorvetes e compramos mais de 50 sorvetes. Fomos visitar o nosso bisavô, ele tem 99 anos. Quando nós chegamos em casa, jogamos futebol e depois nadamos.

 

 

Texto 4:

Em um belo domingo, fomos eu e minha mãe no “Parque da Juventude”. Chegamos lá, nós andamos de bicicleta, comemos pipoca e depois fomos no restaurante e comemos uma lasanha com arroz e depois uma picanha com arroz e feijão. Depois, minha mãe parou o carro e comprou um potão de sorvete de morango com creme e depois, fomos para a casa da minha avó e de lá, para a minha casa.

 

 

Podemos verificar que a maioria dos textos supracitados possuem algumas recorrências de palavras, porém não há recorrências de ideias. Vemos que o aluno utiliza este recurso oral para fixar o leitor e para que não haja confusão de entendimento nos fatos e, sobretudo, para promover a progressão sequencial dos eventos ou das ações relatados.

Lúcia Bastos nos diz ainda que os alunos lançam mão da simples repetição de palavras e ideias, que chega às vezes a exceder o necessário para possibilitar a progressão temática, e caem numa redundância comum e até mesmo necessária no discurso oral, devido à sua linearidade e à necessidade de não carregar demais a memória do interlocutor.

 

 

  1. Considerações finais

Pudemos notar, tendo em vista a análise do corpus, que os alunos absorveram de maneiras diferentes as inserções da estrutura narrativa que fizemos por meio de atividades lúdicas e de breves oficinas de escrita. Enquanto alguns textos abraçaram a forma narrativa, contando, de fato, uma história com um enredo que procura envolver o leitor de alguma forma, outros fizeram uso de elementos como tempo e espaço, porém de forma excessivamente descritiva, demonstrando um menor grau de narratividade. Observamos, ainda, que os alunos trazem para o texto escrito estratégias típicas do texto oral, como a repetição de conectivos a fim de encadear as ideias.

Dessa forma, concluímos que é preciso estreitar os vínculos entre os alunos e a cultura escrita, sublinhando-a no que se diferencia da expressão oral. Ainda que tenha sido curto o tempo de contato com as atividades promovidas pelas bolsistas, os resultados da implementação do projeto nos indicam que é possível reconstruir esse vínculo quando a realidade da sala de aula se afasta das cópias sem objetivo pedagógico, da mera reprodução de textos do livro didático. Por meio do empoderamento dos alunos e da valorização das suas vozes e experiências, o ensino da escrita se torna mais significativo.

 

 

  1. Referências bibliográficas

CALKINS, Lucy McCormick. A arte de ensinar a escrever: O desenvolvimento do discurso escrito. Trad. de Deise Batista. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989.

MEIRIEU, Philippe. Aprender… sim, mas como? Porto Alegre: Artmed, 1998. p 47-69.

BASTOS, Lúcia Kopschitz. Coesão e coerência em narrativas escolares. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p 99 – 105.

RIOLFI, Claudia et al. “Capítulo 10 – Diagnóstico de Escrita do Texto Narrativo: Exemplificando passo a passo”. In: Ensino de Língua Portuguesa. São Paulo: Cengage Learning, 2010. 1.ed.

Artigo – PIBID USP /Letras – “Tipologia de desfechos: um estudo analítico das produções dos alunos do 1º ano do Ensino Médio da EAFEUSP.”

Resumo: A partir da experiência de implementação do projeto Matabichar pelo grupo de bolsistas[1] do PIBID – Letras na Escola de Aplicação da Faculdade de Educação da USP, e com base na definição de conto feita por Julio Cortázar, em “Alguns aspectos do conto”, desenvolveu-se uma análise sobre a influência do desfecho para a afirmação do texto literário enquanto pertencente ao gênero conto. A partir dessa análise, pudemos criar cinco categorias de desfecho (resumitivo, expressivo, relacionado à intensidade dramática, tradicional e desfecho de virada) que apontam para uma maior ou menor adequação dessas produções ao gênero e sugerem um impacto significativo dos desfechos em relação ao todo. Nossa reflexão também se pauta, ainda que superficialmente, nos traços que evidenciam a apreensão por parte dos alunos dos conteúdos trabalhados em sala de aula pelas bolsistas, principalmente com relação ao trabalho desenvolvido com os contos do escritor angolano Ondjaki e com a exposição teórica do gênero.

ARTIGO – PIBID USP / LETRAS – “A minha vida pode virar história: o dia a dia dos alunos é matéria de escrita.”

O objetivo deste trabalho é relatar o processo de implementação do projeto de ensino do PIBID – Letras (Universidade de São Paulo – USP) na E. E. João Baptista Alves Silva. Nesse projeto buscamos levar a escrita de forma lúdica e dinâmica ao cotidiano dos alunos por meio de temas, como noções de tempo e espaço na estrutura narrativa, construção de personagem, classes de palavras, e por meio de atividades, como as de formação de círculos de leitores e de reescrita. Ao trabalhar com a escrita de narrativas curtas e pessoais, buscamos sensibilizar os alunos para o registro de suas próprias histórias, percebendo que o seu cotidiano pode ser e é matéria de escrita.