Por uma história sócio-cultural do abandono e da delinqüência de menores em Belo Horizonte 1921-1941

O objetivo desse trabalho é abordar a produção sócio-histórica de representações sobre o abandono e a delinqüência de menores em Belo Horizonte entre os anos de 1921 e 1941.

O objetivo desse trabalho é abordar a produção sócio-histórica de representações sobre o abandono e a delinqüência de menores em Belo Horizonte entre os anos de 1921 e 1941. Através da abordagem de espaços lugares e instituições especificamente destinadas aos menores ou apropriadas por eles, tentei entender a forma como a noção de delinqüência e abandono circulava nos espaços da Capital de Minas Gerais no período em apreço. Dessa forma, abordei, ainda que sucintamente, a cidade de Belo Horizonte na condição de espaço geográfico que oferece múltiplos lugares à apropriação para seus habitantes. Revelou-se a forma preconceituosa com que se concebiam os usos do espaço urbano pelos pobres, mas de maneira mais aguda pelos menores. A escola e a educação primária, que deveriam privilegiar a presença dessas personagens da urbanidade modernizante caracterizada na Nova Capital, cidade pedagógica por excelência, não lograram êxito em cumprir um projeto de escolarização de massas, ainda que ensejassem fazê-lo pelo uso do primado da obrigatoriedade. Nem mesmo essa estratégia com todos os dispositivos postos a funcionar foi capaz de efetivar a matrícula, freqüência e aproveitamento escolar de boa parte do contingente de menores pobres da cidade e do Estado de Minas Gerais. A resistência empreendida por esse setor da sociedade possuía diversos matizes dentre os quais a pobreza e a necessidade do trabalho em prol do sustento da família, quando essa existia. Desenhou-se, assim, um cenário no qual se passou de uma obrigatoriedade escolar que se pretendeu generalizante a outra de caráter seletivo, pois que se pretendia eficiente e funcional. No contexto onde se localiza a pesquisa, um dos principais elementos da produção dessa noção de delinqüência foi a reforma jurídica encetada pelos setores dominantes naquilo que concerne à legislação para menores. Nesse sentido, foi preciso abordar o processo de produção das leis e projetos que tem na Lei de Orçamento 4.242 de 1921 um marco essencial, muito embora os anseios de regulamentação reportem aos anos iniciais da República. A partir de 1921 caminha-se em direção à consolidação do Código de Menores de 1927, passando pela apresentação de projetos com esse fim, englobando a promulgação de Regulamentos de Assistência de âmbito nacional e estadual, em Minas Gerais. A promulgação do Código de Menores em 1927 constitui-se em um marco referencial na consolidação da noção de menor. Ao produzi-lo, produzirá também um termo pelo qual passarão a ser identificadas crianças e adolescentes abandonados, delinqüentes, desvalidos, mas também pobres trabalhadores e meninos e meninas de rua. Trata-se de um processo de despersonalização que remeterá a infância e a adolescência para uma identidade jurídica. Ao tornar-se jurídica, a identidade social das crianças e adolescentes abandonados, delinqüentes, desvalidos e expostos, entre outros designativos, tornar-se-á caso de polícia. Entre outras esferas da sociedade na qual o Código de Menores influiu, sobremaneira, figura o trabalho dos menores. Num contexto de profundas transformações sócio-econômicas, em cuja principal mudança é a relativização do setor agrário e o incremento da indústria, o aproveitamento da mão-de-obra dos menores exigirá sua regulamentação entre outras coisas por chocar-se com a representação de criança e infância ora produzidas e por constituir-se num óbice à escolarização primária pretendida para todas as crianças. Considerando o processo de urbanização e o caráter atrativo que ele exercerá sobre as populações do interior, foi preciso levar em conta que os deslocamentos populacionais se constituíram como um corolário dessa urbanização, cooperando para aumentar o contingente de famílias pobres, desempregadas e sem moradia, aumentando por conseqüência o número de menores abandonados e delinqüentes. O trabalho dos menores, observado na cidade, alocava a mão-de-obra de crianças e adolescentes pobres em atividades mal remuneradas sob condição de risco físico e moral. Dentre elas, figurava a venda de objetos, serviços e principalmente jornais. O perigo iminente que a presença dessas crianças nas ruas representava à defesa social e à própria integridade delas exigirá uma tomada de posição da sociedade organizada que encontrará no Código de Menores um instrumento significativa de respaldo à criação de instituições de preservação e reforma. Dentre elas foram criadas o Abrigo de Menores e Escola de Reforma. Ainda que não prevista no Código, a Associação Protetora dos Vendedores de Jornais figurará como iniciativa marcante, pois que foi criada graças ao concurso de personalidades do meio político, judiciário, educacional e religioso. A produção dessas instituições no âmbito de reformas encetadas no campo educacional, dentre as quais figura o processo de consolidação da obrigatoriedade do ensino primário, pode ser entendida como um recurso adotado para relativizar a resistência das camadas pobres à escola como também como um processo de diferenciação da escola e da educação a ser oferecida aos diferentes sujeitos da sociedade. Verificar-se-á a produção de uma escola para as classes dirigentes, de caráter enciclopédico e propedêutico e outra com função formativa pelo e para o trabalho, a ser destinada aos pobres e, sobretudo, a crianças abandonadas e delinqüentes, clientes nas instituições de preservação e reforma. As noções de apropriação representação, estratégias e táticas são chamadas a conferir entendimento à leitura das fontes, em prol da produção de uma história sócio-cultural do abandono e da delinqüência de menores. A imprensa jornalística e a imprensa especializada, na pessoa da Revista Forense e da Revista do Ensino, constituíram-se em importantes fontes a atestar a produção e circulação de representações sobre a menoridade abandonada e delinqüente num diálogo profícuo com os textos legislativos. As produções históricas e historiográficas sobre o tema conduziram-me ao entendimento de várias representações acerca do objeto proporcionando um entendimento que partiu do senso comum e chegou ao conhecimento específico sobre a menoridade abandonada e delinqüente em Belo Horizonte.

 

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